Para provocar Gil, Vitor aproveitou que o colega que sentava do lado de Lia havia faltado e sentou ali, mesmo que não fosse permitido. Até que Gil o dedurasse para o professor, Vitor pode perceber que Lia estava mais séria do que de costume. Tentava chamar a atenção dela mas era totalmente ignorado, ela não se dava ao trabalho nem de responder às brincadeiras dele e isso o deixou intrigado. No intervalo, Vitor aproveitou que Lia estava sozinha, pegando uns livros em seu escaninho.
– Então... Posso dizer que você tá compromissada e não vai dar a mínima chance pra mim mais? – Disse ele, se escorando nos armários, ao lado de Lia.
– Vitor, hoje não, tá? – Disse ela, sem nem olhar pra ele.
– O que houve Lia, você tá bem? – Vitor usava um tom sério dessa vez. Ela só o olhou e saiu, sem falar nada. Vitor bateu com força nos armários. Orelha observava a cena de longe e chegou perto de Vitor dançando, tirando sarro da cara do amigo.
– Levando toco da marrentinha, você não cansa não?
– Você sabe o que ela tem? – Disse Vitor, ignorando a pergunta de Orelha.
– Olha, cara... Nas férias, uma galera do colégio foi pro Misturama e um amigo meu disse que viu a Lia chorando na pracinha. Vai entender, deve ser emo mesmo! – Vitor ficou intrigado.
O motoqueiro passou o seu primeiro dia de trabalho, perto dali em uma oficina. À noite foi ao Misturama comer alguma coisa para voltar pra casa. Foi quando viu Lia saindo com pressa do prédio, visivelmente com raiva. Quando Vitor foi pagar a conta, Lia já estava longe, então ele subiu na moto e foi alcançar ela. Quando ela percebeu quem parou do seu lado, parou de andar.
– Já entendi, sobe. –Vitor praticamente dava uma ordem.
– Já entendeu o que?
– Quer fugir? Sobe. Eu também to um pouco afim. Te levo pra longe, não falo nenhuma besteira e em troca você me dá a sua maravilhosa companhia. – Vitor deu o sorriso mais lindo que tinha pra Lia.
– Ah tá... Claro. Como vou confiar em você? E se for um estuprador?
– Olha, eu já teria feito coisas na casa do Orelha, certo? – Lia parou pra pensar. – Vamos, Lia... No máximo você vai se arrepender.
– Vitor, eu não vou ser mais uma das menininhas que você pega, pode esquecer.
– É sério Lia, gostaria disso, mas já entendi. Eu tenho problemas em casa também, talvez possa te ajudar. Sobe logo aí. – Disse ele, alcançando um outro capacete para Lia. Era importante para ela ouvir o problema dos outros para saber que não estava sozinha então, sem pensar mais, ela decidiu aceitar a proposta de Vitor.
Vitor levou Lia pra uma pracinha longe dali mas semelhante à aquela perto da casa de Lia. Vitor sentou em um dos balanços e logo tentou fazer graça pra Lia, pulando longe e caindo. Lia não conseguiu evitar o riso, o que fez o tombo de Vitor parecer menos dolorido para ele. Ele se levantou, reclamando de dor e sentando de novo no balanço. Lia sentou no outro, ao seu lado. Lia começou a contar toda a história da mãe dela para Vitor.
– ...Então foi assim, Vitor. Eu não suporto morar com a minha mãe, eu queria sair de lá, até porque a Tatá sofre muito com todas essas brigas. Eu só queria que isso parasse.
– Eu entendo.
– Você tem alguma bebida aí?
– Já, Lia?
– Eu saquei a sua garrafinha no bolso outro dia, nem vem dizer que é inocente. – Ele tirou a garrafa do bolso e deu pra ela.
– É... Mas eu não caio no chão de bêbado quem nem a senhorita.
– Haha! Quer ver só? – Ela ria.
– Não quero não... Isso não é cerveja. Vai com calma. – Ela começava a beber lentamente pra tirar sarro dele.
– Mas... Me conta sua história. – Disse ela, ficando séria.
– Ah... – Lia percebeu que era um assunto delicado pela cara que Vitor fez. – Pra resumir, meu pai era um bêbado mulherengo que traía minha mãe, batia nela e fazia da minha um inferno... Um dia, ele ameaçou ela com uma faca. Eu tinha apenas 10 anos, Lia. – Lia prestava muita atenção na história, sabia que Vitor não contou pra quase ninguém. – E com apenas 10 anos eu falei pra ela que era hora da gente fugir. Então, nesse caso o fugir adianta. Eu sei que não é certo você fugir, na sua situação. Mas eu não posso falar nada, porque eu faria a mesma coisa...
– Olha Vitor, eu sinto muito, de verdade.
– Não precisa, sério. Não gosto de olhar de pena de ninguém. Eu vim pro Rio tentar ser alguém na vida, tentar dar uma vida boa pra minha mãe. Tá tudo bem agora... Ou mais ou menos.
– Porque “mais ou menos”?
– Porque... Porque, sabe... – Vitor não sabia que palavras escolher dessa vez.
– Vitor, posso te fazer uma pergunta?
– Não. – Disse ele, sorrindo.
– Então... Porque você age desse jeito? Sei lá, você nem me conhecia e já fez do meu dia um inferno total! – Os dois riram.
– Desculpa, Lia. Eu reajo assim. É o meu jeito. Eu queria mudar, mas é difícil. – O silêncio tomou conta do lugar, até que Lia resolveu olhar pra ele, e ele, percebendo o olhar, virou para ela. – Vem cá, o que você tem com o Gil? Só por curiosidade.
– Ah... Sei lá, a gente fica às vezes, nada sério. Você entende bem de coisas nada sérias, né?
– Haha, claro. – Vitor ficou em silêncio por alguns segundos.
Foi quando, Lia por um impulso levantou e puxou Vitor pela mão, para que ficasse de pé na frente dela. Deu um abraço nele, que durou vários minutos. Vitor respirava fundo e Lia passava a mão no cabelo dele. Lia não conseguiu segurar o choro, pensando na situação em sua casa. Vitor nesse momento tirou a garrafa da mão dela, notando que ela estava começando a se abalar e guardou no bolso novamente. Os dois se abraçavam forte e Vitor parou sua mão no rosto de Lia, fazendo carinho. Vitor afastou o rosto quando percebeu as lágrimas de Lia, e parou o rosto bem perto do de Lia. Lia olhava pra baixo, com vergonha de estar chorando. Não queria dar o braço a torcer assim. Vitor beijou o rosto de Lia e depois limpou suas lágrimas com a mão. Lia olhou bem pra ele. No começo seu olhar era compreensivo, o que fez ela sorrir. Depois que o olhar se tornou malicioso, Lia começou a respirar mais rápido. Vitor afastou o cabelo de Lia para o lado e começou a dar beijos em seu pescoço. Lia se arrepiou com os beijos e apertou o braço de Vitor. Quando Vitor foi se aproximar mais da boca de Lia, ela deu um passo pra trás.
– Tarde demais.
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