Vitor havia se arrependido um pouco do seu ato, mas estava mais a fim de zoar com a garota.
– Foi eu, por que? – Disse ele, abrindo um sorriso irônico.
– E quem é você, afinal? – Disse Lia com ódio nos olhos, surpresa pela ousadia do garoto.
– Vitor, prazer. Fico feliz que tenha conseguido passar a porta. – Apenas Orelha teve coragem de rir nesse momento. Lia estava prestes a pular no pescoço de Vitor quando a professora Isabela entrou na sala.
– Todo em seus lugares, por favor. Silêncio, turma... – Disse paciente.
Lia se dirigiu ao seu lugar e antes de sentar lançou um olhar fuzilador para Vitor, que foi parando de sorrir assim que ela se virou. No fundo estava se sentindo mal pela brincadeira, mas nada sério. Orelha se levanta e pede atenção.
– Com licença professora, posso dar um comunicado de utilidade pública aos nossos colegas?
– Seja breve, Álvaro Gabriel. – Disse ela.
– Então pessoal, a festa de fim de ano vai ser na minha casa, sem pais, com muita bebida... – Recebeu um olhar repreensivo de Isabela. – Digo, suco. Enfim, compareçam. Quem não comparecer é mané. Sexta-feira, 21h... Meninas, proibido acompanhante, nem pensem nisso, só se for menina também e gata. – Todos riram.
Até o dia da festa, Lia, sempre que possível, olhava para Vitor como se estivesse imaginando um jeito legal de matá-lo. Vitor às vezes percebia o olhar e mandava beijos para a garota, que se enfurecia ainda mais. Na sexta, Vitor foi mais cedo ao apartamento de Orelha para ajudá-lo com as coisas. Logo chegaram três meninas da turma que Vitor ainda não conhecia, partiu direto para a que ele achou mais interessante e a levou para conversar no quarto de Orelha. Com o tempo, o pessoal todo foi chegando, até que as últimas, Ju e Lia, entraram na festa por volta das 22h. E foi bem nessa hora que, de longe, Lia pode observar Vitor e Maná saindo do quarto de Orelha.
– Mas que garoto nojento. – Disse Lia para a amiga.
– Ai amiga, calma... Se der bola ele vai te provocar cada vez mais.
Assim que viu Lia, Vitor parou totalmente de dar atenção a Maná. Apenas fingia ouvir o que ela dizia e não conseguia tirar os olhos de Lia. Assim que conseguiu se livrar da peguete, deu um “Oi” bem simpático a Ju, enquanto Lia conversava com Gil na cozinha.
– Você é a Ju, né?
– Sim, sim... – Disse ela, constrangida.
– Você é linda, sabia?
– Ah, obrigada. – Revirou os olhos, sem cair no papo dele.
– Eu vi seu vídeo sobre moda e tal. Você tem talento, sabia? Tenho uma irmã estilista e mandei pra ela, só elogios. – Disse ele, mentindo sobre a irmã.
– É sério? Que demais! – Disse Ju, já dando mais atenção ao garoto e sorrindo.
Foi quando Lia voltou da cozinha com Gil e não acreditava no que via. A amiga dando a maior corda pro Vitor?
– Só pode ser piada. – Disse ela a Gil, enquanto se aproximava, junto com ele, dos dois. – Dá pro idiota sair daqui?
– Epa, pera lá, estressadinha. Estou aqui conversando com a Ju. – Disse ele voltando os olhos à amiga de Lia.
– Lia, quer sair daqui? – Disse Gil, cheio das intenções da cima de Lia. Antes que pudesse responder, Vitor olhou pra ele levantando uma das sobrancelhas.
– Já tá pegando outro, Lia? Achei que você conseguisse melhor. – Gil deu um passo a frente, partindo pra cima de Vitor. Lia o segurou.
– Qual é a tua, cara? – Disse Gil, encarando Vitor que não demonstrava nenhum medo.
– Sai daqui, garoto. – Lia fuzilava Vitor com o olhar.
– Saio, se a Ju quiser que eu saia. – Lia olhou pra amiga, esperando uma atitude.
– Olha Vitor... Melhor você sair... – Foi quando Orelha chamou a atenção de todos.
– Todo mundo, todo mundo, prestem atenção! Mega verdade ou consequência aqui na sala, todos em círculo. – Todos festejaram e foram montando a roda. Gil foi diretamente pra roda, encarando Vitor. Enquanto Lia se afastava para ir até a roda, Vitor a pegou pelo braço e chegou perto de seu ouvido.
– Se quiser sentar do meu lado... – Disse ele, dando um beijo no rosto de Lia.
– Nem em sonho. – Disse ela, limpando o beijo dele com a mão e fazendo cara de nojo. Ele só sorria.
A roda se formou e a primeira rodada resultou em lado que pergunta para Vitor e o que responde para Lia. Ele sorriu para ela e ela mostrou o dedo do meio para ele. Lia pegou um copo de cerveja próximo a ela e tomou um gole, lançando um olhar desafiador para Vitor.
– Verdade ou consequência? – Disse ele, se divertindo com a situação.
– Consequência. – Lia apenas estava o testando. Vitor ainda não entendia a fim de quê, mas achava que tudo era porque a menina queria ele.
– Me beija. – Disse ele sorrindo. Todos na sala ficaram chocados com a coragem de Vitor, já que conheciam o temperamento de Lia. Lia sorriu, levantou e foi sem pressa até Vitor, que se levantou também. Alguns da sala gritavam “beija, beija, beija” enquanto ela dava seus demorados passos. Parou bem na frente de Vitor, o olhou nos olhos, botou uma mão em seu rosto, enquanto ele a puxava pela cintura. Na outra mão de Lia estava o copo cheio de cerveja, que ela decidiu jogar sem pressa em cima da cabeça de Vitor, que ficou parado, perplexo. Alguns da sala riam (especialmente Gil), outros esperavam alguma reação explosiva de Vitor. Mas ele só ficou parado, e soltou a garota. Lia só ria da cara dele.
– Acho que eu merecia isso. – Disse ele, todo molhado de cerveja. Vitor faria qualquer coisa pra não perder a pose. - E aí, gatas, alguém quer ir tomar banho comigo? Quem sabe você, Lia? – Disse ele, desafiando a marrentinha. Lia olhava para ele incrédula. Ele parecia não ter se abalado com o banho de cerveja. Apenas se dirigiu ao banheiro lançando olhares para as meninas da sala, que por sua vez sorriam maliciosamente para ele.
A festa continuou com música alta e gente bebendo mais do que deveria. Gil tentava muito entrar em alguma conversa mais íntima com Lia, que, ao mesmo tempo que não tinha vontade de ficar com ninguém, queria mostrar a todos que estava “bem”. Vitor saiu do banheiro vestindo a mesma roupa, sem mostrar que se incomodava com o ocorrido, o que irritava Lia. Um tempo depois, para irritar Lia, Vitor conversava com Orelha sobre Dinho, sempre mencionando o nome do ex-namorado dela mais alto, para que ela ouvisse e se irritasse. O plano deu certo e Lia foi até a cozinha incentivada a beber mais... Quanto mais se sentia melhor, mais bebia. Vitor percebeu que não via Lia há um tempo, as pessoas já estavam indo embora quando foi ao banheiro e viu a porta do quarto dos pais de Orelha entreaberta. Ele riu sozinho e foi até a garota, deitada no chão, dormindo.
– Lia... Acorda, você tá bem? – Perguntava Vitor, enquanto ela só resmungava palavras que ele não conseguia entender.
– Dinho... Dinho idiota. – Disse ela, delirando, com os olhos fechados.
– É, ele é um idiota, com certeza. – Disse Vitor. Quando Ju entrou no quarto e foi socorrer a amiga.
– Meu Deus, o tio Lorenzo vai matar a Lia, ela simplesmente não pode chegar em casa desse jeito... E muito menos na minha, meu irmão nunca mais iria deixar a gente sair de casa. – Gil entrou no quarto também.
– Caramba... Ju, você sabe que o pai dela não pode ver ela assim, né? – Disse Gil.
– Olha pessoal, acho que é melhor ela dormir aqui. – Imediatamente Gil olhou para Vitor como se ele tivesse falado a coisa mais absurda do mundo. – É sério. Eu não sou maníaco sexual nem nada, ok? Ela pode dormir nesse quarto, sozinha, amanhã vai estar melhor. Eu vou dormir aqui também e levo ela amanhã pra casa de moto. Pode ser?
– Não tem jeito. – Disse Ju, Gil imediatamente olhou pra ela como se ela fosse louca. – Sério, Gil. O Orelha tá aqui... Tá tranquilo, a Lia já dormiu aqui quando namorava o... Dinho... – Disse Ju, olhando para a amiga com pena. – Ela vai ficar bem. – Disse Ju.
– Vai sim. Fala pro pai dela que ela vai dormir na sua casa, sei lá. – Disse Vitor, Ju fez sinal positivo com a cabeça.
– Vitor, qualquer coisa o Orelha tem meu número, me liga, ok?
– Pode deixar, linda. Tá comigo, tá segura. – Disse ele, piscando para Ju.
Logo todos foram embora e Orelha foi dormir, um pouco tonto com a bebida.
– Ihhh, rapá. Amanhã vou fazer o Tv Orelha especial “Ó Porre da Lia”.
– Cara, poupa ela dessa. Ela tá numa situação bem chata.
– Que isso Vitinho, tá gamado, já? – Vitor mudou a expressão imediatamente.
– Tá louco? Quer saber, faz o vídeo que quiser. – Disse Vitor, deitando no sofá.
Orelha se dirigiu ao seu quarto dando risadas. Quando percebeu que não conseguiria dormir sem dar uma última olhada em Lia, mesmo que seu orgulho lutasse fortemente com ele, seguiu sua vontade. Entrou no quarto e sentou na ponta da cama. Olhou para Lia enquanto dormia e quando percebeu que estava há muitos minutos ali, foi direto para a sala tentar dormir.
A luz do sol da manhã seguinte parecia cegar Lia. A dor de cabeça era a mais forte que já tivera na vida. Quando percebeu a presença de Vitor, escorado na porta do quarto com um pequeno sorriso, se sentou.
– Só pode ser um pesadelo. – Disse ela, revirando os olhos.
– Bom te ver também, linda. Depois da noite de ontem... Você foi a melhor do Quadrante até agora, viu?
– Eu O QUE?!??! – Disse Lia, assustada pois mal lembrava do que havia feito na noite anterior, além do banho de cerveja em Vitor. Vitor não conteve o riso.
– Calma, gata... Quem dera. – Ela respirou aliviada. - Sua amiga Ju falou pro seu pai que você dormiu na casa dela, ok?
– Ah, tá... Melhor mesmo.
– Eu vou te levar pra casa de moto, assim que você levantar e lavar esse rosto.
– Eu não vou pra lugar algum com você, nem que me paguem. – Disse Lia, levantando da cama e procurando seu celular. – Vou chamar um táxi.
– Lia, um táxi daqui até sua casa é uns R$50. Eu estou indo pra Penha, basta você ir comigo e eu te largo no caminho. – Lia parou para pensar, não tinha nem R$10 no bolso pois contava com a carona de Marcela, junto com Gil e Ju.
– Tá bom. Só porque eu realmente não tenho alternativa. – Vitor sorriu, satisfeito.
Quando estavam na estrada, Vitor aproveitou uma sinaleira para passar a mão na perna de Lia, que imediatamente de um tapão no braço do motoqueiro, que se divertia. Logo que chegaram, Lia saiu da moto e foi andando para o seu prédio.
– Que isso, Lia? Nem um beijinho? - Ela parou, riu e se virou.
– Claro... – Disse ela, caminhando até vitor e se aproximando até chegar no ouvido dele. - ... que não! – Antes que Lia pudesse se afastar, Vitor vira o rosto e dá um beijo no canto da boca de Lia, que novamente limpa o beijo.
– Vai pro inferno! – Disse ela, indo definitivamente para a entrada de seu prédio.
– Boas férias também, marrentinha! – Disse Vitor, sorrindo. Ele sabia que não seria nada fácil ficar com ela. Mas ao mesmo tempo, confiava muito no seu taco.
As férias chegaram e com elas, um grande problema para Lia: Seu pai saiu de casa e as brigas eram constantes com sua mãe. Nenhuma oportunidade de jogar na cara de Raquel o abandono e a decepção que causou, era perdida. Sempre que essas brigas aconteciam, Lia fugia para algum lugar próximo ou para a praia, e mesmo sem admitir, a intenção era apenas preocupar e machucar Raquel. Achava algum conforto quando ia conversar com Ju, mas era Gil quem realmente poderia dizer algo sobre a situação, já que acompanhou toda a história enquanto Lia não falava com a melhor amiga por causa de Dinho. Saíam para grafitar ou tocar guitarra, qualquer coisa que ocupasse a cabeça dela por algumas horas ou minutos, qualquer coisa valia à pena.
Numa dessas noites Gil beijou Lia e os dois começaram a ficar constantemente, mesmo que Lia não se envolvesse emocionalmente. Sempre que ela deixava claro para Gil que não queria nada mais que amizade ele concordava com ela. Quando se aproximava de fevereiro, perto do terceiro ano do colégio começar, as coisas pioraram, e muito. As brigas, que aconteciam toda a noite perderam lugar pro silêncio absoluto dentro de casa. Finalmente as aulas começavam e Lia via nisso alguma possibilidade de se desligar um pouco de casa.
– Bom dia, Ju. Bom dia, Lia. – Disse Gil, sorrindo e dando um beijo em Lia na entrada da escola. Lia havia contado para Ju que estava ficando com Gil, mas que não era nada sério.
– Bom dia, Gil. Vou indo porque pelo jeito to sobrando, né? – Disse Ju, se retirando.
– Não Ju, que isso... – Disse Lia, mas a amiga já havia se afastado.
– Então, queria saber se você quer passar lá em casa mais tarde. – Disse Gil, caminhando com Lia pra dentro do colégio, botando a mão na cintura dela enquanto caminhava. Lia pegou a mão dele e botou em seu ombro.
– Menos, Gil. – Disse pra ele séria. Gil sabia que Lia estava cada dia mais triste e menos a fim de “brincadeiras”. Os dois ouviram um barulho alto de pneu cantando e olharam pra trás. Vitor tirou seu capacete e estacionou a moto. Apenas mais uma de suas entradas triunfais.
– Ah, não. – Disse Lia.
– Achei que ele ia ficar onde quer que ele morasse. Que droga. – Disse Gil, olhando feio para o motoqueiro. Vitor entrou no colégio sorrindo para todos, e quando avistou Lia, seu sorriso desapareceu.
– Eu não acredito. – Disse ele, primeiramente em voz normal. – SÓ PODE SER BRINCADEIRA! – Já aumentava o tom de voz. – Que casal! Impressionante. – Dizia ele, ironizando. Quando o inspetor percebeu o tumulto, Gil já estava prestes a pular no pescoço de Vitor.
– Pode parar, pode parar os dois! Nada de briga aqui. Já para as suas salas. – Disse Robson, se metendo no meio.
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